05 março 2015



Grades invisíveis estendem-se à nossa volta e impedem-nos de fugir do sentimento, perfuram-nos, deitam-nos abaixo, riem-se de nós. Não dá para explicar quando tudo o que vivemos tem uma maior importância do que isso. É verdade que, em tempos, não me saía da cabeça. Mas agora, o meu cérebro deve ser ocupado por outros assuntos. De quando a quando, cai-me tudo... Ponho-me a magicar sobre o que não devo, e de repente sinto um turbilhão imenso de sentimentos contraditórios - entre eles saudade, desprezo, desilusão, tristeza, felicidade e uma leve paixão - que me faz querer deitá-los cá para fora sem sequer olhar para trás. Mas como se trata de algo que não é possível, fica cá dentro, no meu interior, onde os locais ocupados com cicatrizes são mais extensos do que os sãos. Imaginemos uma bola de neve... É tal e qual. Vou acumulando tudo e, ao longo da descida pela montanha, a bola vai aumentando... Até que não há mais montanha. No meu caso, até que não há mais força.
Sem eu dar conta, todos aqueles sentimentos que me iam martirizando aos poucos estão-me a escorrer pelos olhos, pelos poros, pelo coração; tudo o que eu sou grita de agonia, e a coragem que antes eu tentava mostrar perante os que estão de fora fugiu sem deixar rasto. E o que eu devia fazer deveria ser, igualmente, fugir. Mas não é daqui. É do que ainda sinto.

21 outubro 2014


Estou a pisar o chão que um dia fomos nós a pisa-lo juntos. Estou sentada neste pequeno banco cuja madeira já demonstra a passagem do tempo. À minha frente, observo o meu nome que se encontra cravado na rocha que um dia pisamos, que olhamos, memorizamos. Onde as promessas de amor foram guardadas, como tesouros perdidos pelos mapas queimados e transformados em cinzas de memórias. O teu já nem sei se lá está, se se apagou ou se tu o mesmo o fizeste com a tua própria mão que já não reconheço (talvez nunca tivesse conhecido realmente, possivelmente "nunca conhecemos ninguem senão nós mesmos"). Talvez eu mesma o tenha apagado inconscientemente, com as minhas próprias pisadas, de tanto caminhar por entre os cantos dos nossos mundos, da recordação que hoje já se encontra para lá da porta, dos meus sonhos, desejos. Um dia quis que a barreira se quebrasse, se partisse em mil pedaços, se torna-se no meu chão. Hoje sei que nunca tal poderia ter acontecido, porque hoje é a minha declaração, a minha certeza, a Razão.E tu já não me conheces. Não o eu de hoje, não aquela em que me tornei depois da metamorfose de emoções, sentimentos recalcados, lembrados, apagados erradamente, desenterrados inconscientemente, rasurados propositadamente.E muito provavelmente nunca ninguém me conhecerá, não como tu conheceste. Quebraste a inocência que me fazia acreditar que o nosso amor vencia qualquer obstáculo. Ainda assim e apesar de tudo, serás sempre tu e a tua presença na minha vida será sempre constante, mesmo que estejas distante, serás sempre aquele que amei perdidamente, assim como serás aquele que me matou. Mas a dor já não provoca qualquer sensação em mim, aprendi a lidar com ela, a viver com a sua presença diária e a aceita-la como minha companheira, como um incentivo para encontrar o sorriso que aguarda por mim, escondido por entre os arbustos da felicidade, os meus olhos já não choram, as lágrimas secaram. Hoje encontro-te encostado à parede que ditou o nosso fim, junto à porta que se fechou a teus olhos, que te impediu de avançar, de apagar todos os traços do passado e todas as impressões que marcam a tua pele, o teu rosto juvenil coberto de expressões que expressam tudo o que te vai na alma, o que faz de ti aquilo que és hoje, a pessoa que já não conheço como (julguei que) conhecia. Sabes, posto isto, não é o sentimento de ódio que sobrevive dentro de mim como um náufrago pois "ódio" é uma palavra que não consta no meu dicionário, mas sim o sentimento de pena de tudo e saudades de algo.